por Fábio de Oliveira e Regina Célia Pereira
Historiadores relatam que na Idade Média, entre os séculos 5 e 15, o pão simbolizava status. Mas, enquanto a nobreza se deliciava com receitas à base de farinha branca, aos plebeus restava a versão integral. Passadas centenas e centenas de anos — e após a comprovação de benefícios em dezenas de pesquisas —, o que se vê é a valorização dos ingredientes recusados pela elite daquela época. Ironia: o alimento dos pobres seria o mais nobre. Hoje é possível achar pães com até 14 grãos.
À massa de trigo, foram incorporados a aveia, a linhaça, a quinua, o centeio, a castanha- do-pará, a cevada e outros itens, alguns no mínimo inusitados, caso do badalado grão de chia, sem falar do prosaico feijão. "No caso, apostamos no feijão-branco, porque seu gosto e sua coloração são menos marcantes do que os de outras variedades", conta a bioquímica Renata Ramos, da Universidade do Vale dos Sinos, no interior do Rio Grande do Sul. A professora e o chef Alexandre Baggio desenvolveram um pão com maior percentual de proteína e fibras. "Essa soma de nutrientes prolonga a saciedade e, por isso, contribui para o controle do peso", explica. A turma do laboratório gaúcho, que topou experimentar a iguaria feita com a farinha de feijão, aprovou tanto seu sabor quanto sua aparência.
Outro pãozinho de sucesso vem do Rio de Janeiro. Lá a novidade são massas elaboradas com açaí, granola e até iogurte fermentado, que é cheio de micróbios benfeitores. "As bifidobactérias ajudam a equilibrar a flora intestinal e colaboram para as defesas do organismo", lembra a nutricionista Carla Mendonça, da Los Paderos, empresa que tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, a Faperj. A linha semipronta não leva conservantes e pode permanecer na geladeira por mais de 15 dias.
Além das mais variadas sementes e grãos, os farelos — tanto o de trigo quanto o de aveia — são unanimidade quando o assunto é fibra. Fibra e receita de pão, claro. Por isso, observe a presença dessa palavra nas embalagens e dê preferência a produtos que a trazem logo no início da lista de ingredientes. Afinal, essa relação, que vem estampada nos rótulos, é organizada pela quantidade em ordem decrescente.
Além de frearem o apetite, as fibras facilitam o trânsito intestinal e, assim, afastam a prisão de ventre. Há também provas do poder dessa substância na diminuição do risco de tumores. Uma pesquisa que acaba de ser publicada no periódico científico British Medical Journal reforça esse papel. Estudiosos do Imperial College de Londres, na Inglaterra, analisaram diversos trabalhos e concluíram que existe um elo entre uma dieta fibrosa e a menor propensão ao aparecimento de câncer no intestino.
"A cota diária do nutriente é de 25 a 35 gramas, que devem vir não só de pães integrais mas das frutas, das hortaliças e das leguminosas, ou seja, dos feijões", destaca a nutricionista Bianca Chimenti, da Clínica BKNR Prevenção e Saúde, na capital paulista. O novo pãozinho, entretanto, não vive só de fibra: ele oferece uma gama de nutrientes. Que tal uma pitada de ômega-3? A festejada linhaça é uma excelente fonte dessa gordura protetora das artérias.
E você também já deve ter ouvido falar de outro manancial de ômega, a chia, cujo nome científico é Salvia hispanica. Essa semente andina fazia um enorme sucesso entre os povos pré-colombianos e, ultimamente, passou a estrelar muitos estudos. Um trabalho recente, realizado na Universidade de Toronto, no Canadá, mostra que incluir seus grãos no pão nosso de cada dia ajuda a manter os níveis de açúcar no sangue estáveis. Além de dar um olé na fome e combater o ganho de peso, o equilíbrio nas taxas de glicose colabora para afastar o fantasma do diabete.
O pão integral ainda oferece vitaminas do complexo B, que, entre outras funções, destacam- se por beneficiar o cérebro. Aliás, por falar em massa cinzenta, vale salientar que o principal nutriente dos pães em geral é, sem dúvida, o carboidrato, ingrediente que modula a fabricação da serotonina, substância por trás de sensações de bem-estar e prazer. Por isso mesmo, os que aderem aos regimes sem carboidrato se tornam meio ranzinzas. São muitas as dietas da moda que pregam sua exclusão. É mau humor na certa.
Tudo começou na década de 1970, com a famosa Atkins, que virou mania entre os americanos. "Desde então, ela já foi relançada algumas vezes e copiada ou adaptada outras tantas", relata a nutricionista Mariana Del Bosco, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica, a Abeso. Ela explica que, ao retirar o carboidrato do cardápio, perde-se muita água e isso, inicialmente, traz impacto na balança. Mas estudos mostram que essa atitude, a longo prazo, não funciona. "Uma alimentação equilibrada deve contemplar 55% das calorias na forma de carboidratos, 15% na forma de proteínas e 30% na forma de gorduras", ensina a especialista.
Para quem se preocupa com a boa forma, é importante frisar que o carboidrato preserva os músculos. Diferentemente do que muita gente pensa, não é só a proteína que tem essa incumbência. Quando o consumo de um dos principais itens fornecidos pelo pão se torna escasso, o corpo vai buscar reservas energéticas depositadas na massa magra, o que acaba prejudicando a musculatura e abrindo caminho para a flacidez. "A privação do nutriente resulta em queda no rendimento e até desmaios durante a prática de atividade física", enumera a nutricionista Ana Beatriz Barrella, da RGNutri Consultoria Nutricional, em São Paulo, que completa: "Em situações em que a quantidade de carboidrato é insuficiente para a recuperação muscular, pode haver crises de fome, dores de cabeça, alteração no humor, irritabilidade e insônia".
Justamente pela oferta de carboidrato é que os pães são aliados dos esportistas. Os elaborados com a farinha refinada entregam energia rapidamente e vão bem antes de suar a camisa, durante treinos mais longos e logo após a atividade física. Uma coisa é certa: o pãozinho deve ser o protagonista à mesa logo cedo, no café da manhã. Afinal, após oito horas de sono, o organismo precisa suprir seu estoque de combustível. Desânimo e dificuldade de concentração são sintomas recorrentes para os que pulam o desjejum.
E qual é o melhor acompanhamento para o pão na primeira refeição do dia? Margarina, dizem 32% dos 2 300 brasileiros ouvidos em um estudo da Associação Brasileira de Nutrologia. Ela desbancou a manteiga, cheia de gordura saturada — em demasia, ela entope as artérias. Para a nutróloga Isabela David, coordenadora do trabalho, vale combinar o pão com o creme vegetal ou o azeite de oliva extravirgem. "Procure saborear torradas integrais com geleias de frutas arroxeadas, que são ricas em polifenóis", acrescenta. Esses compostos têm ação antioxidante e combatem o envelhecimento precoce.
Fora o café da manhã, o alimento pode figurar em diferentes ocasiões. A sugestão é incrementá-lo com proteína, nutriente que equilibra o índice glicêmico. Assim, a digestão se torna mais lenta, as descargas de açúcar acontecem de forma gradual e a fome não surge tão cedo. A nutricionista Maria Cecília Corsi, da Essencial Light, em São Paulo, sugere o queijo cottage, o cream cheese light, além do blanquet de peru, para compor sanduíches. "O pão é uma boa pedida em saladas, cortado em cubinhos, temperado com azeite e levado ao forno", indica. Se no prato também aparecerem folhas verdes, vegetais coloridos, atum ou salmão defumado, a receita equivale a um jantar. Maneire no couvert, que pode inflacionar a dieta. E, se o menu oferecer massas, arroz ou batata, opte por só uma das fontes de carboidrato. Lembrando: o pão nosso é cada vez mais sagrado à mesa.
Receita milenar
Foi pelas mãos egípcias que se deu o nascimento do verdadeiro pão. Pesquisadores contam que, no antigo egito, lá pelo ano 4000 a.C., um cozinheiro esqueceu um pedacinho de uma massa feita de farinha de trigo ao relento e assim, sem querer, surgiu o fermento. é que, durante a experiência involuntária, gases produzidos por micro-organismos do levedo tentaram, em vão, escapulir da massa, mas foram detidos por proteínas. o resultado da reação química foi o aparecimento de um alimento de casca firme e de miolo fofo. mas há quem defenda que foram os gregos que deram ao pão um toque mais, digamos, gourmet, já que eles incluíram na receita sementes aromáticas e outros ingredientes. documentos atestam que no século 3 a.C. eles saboreavam pelo menos 72 tipos de pão.
Sotaques variados
Francês
De imitação de baguetes de Paris até suspeitas de que seria argentino, não se sabe ao certo como surgiu nosso famoso pão francês.
Nórdico
Versão consumida em países como a Suécia, costuma levar centeio, gergelim, açúcar, além de trigo.
Portugueses
O papo seco é parecido com o pãozinho francês, ou seja, tem miolo fofo e casca crocante. Já a broa leva milho na receita.
Italiano
Ele é feito com um tipo de fermentação que o torna meio azedo. o ciabatta, também de origem italiana, é diferente porque pode levar leite.
Sírio
É apreciado no oriente médio, por isso também ganha o nome de pão árabe. Seu formato achatado é perfeito para montar sanduíches.
O polêmico glúten
Dietas por aí pregam a exclusão dessa substância, mas não há aval científico sobre sua relação com o ganho de peso. A gastrenterologista e pediatra Vera Lucia Sdepanian, da Universidade Federal de São Paulo, explica que a intolerância ao glúten é marcada por sintomas como o emagrecimento rápido, a perda de massa magra e a diarreia. "o inchaço abdominal e a flatulência também são indicadores da doença celíaca", afirma. Por isso, se esses sinais surgirem sempre após o consumo de pães que contenham trigo, aveia, centeio e cevada, procure um médico. o distúrbio interfere em estruturas do intestino que absorvem os nutrientes. "Para que o diagnóstico seja certeiro, a mucosa intestinal precisa ser analisada", explica. Existem também exames de sangue que dosam certos anticorpos.
Receitas
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